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ITBI, o Recurso Extraordinário nº 796376 e o anseio dos Municípios pela arrecadação a qualquer custo.

Por Luiz Brito Filho

Publicado em 12/08/2020

Como bem sabemos, a simples leitura do art. 156, § 2º, inciso I, da Constituição Federal e do artigo 36 da Lei nº 5.172/966 (CTN), leva a conclusão que a “transmissão de bens imóveis à pessoa jurídica em realização do capital social nela subscrito” é absolutamente IMUNE à cobrança do ITBI, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.

Contudo, com a finalização do julgamento do Recurso Extraordinário nº 796376, submetido à repercussão geral, entendo, com certa preocupação, que possa haver uma interpretação inadequada por parte dos Municípios quanto ao teor e o alcance do entendimento firmado pelo STF.

Explico!

Primeiramente, cabe destacar que a imunidade tributária significa uma vedação constitucional ao poder de tributar, e sua regulação, no caso específico do ITBI, é dada pelos artigos 36 e 37 do Código Tributário Nacional (CTN), os quais devem sofrer interpretação teleológica e, via de consequência, extensiva, conforme já decidido por várias vezes pelo E. Supremo Tribunal Federal.

Pois bem! O cerne da questão tratada no presente artigo é o alcance do entendimento firmado pelo STF quando julgamento do Recurso Extraordinário nº 796376 que restou assim estabelecido: “A imunidade em relação ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado.

Compulsando aqueles autos é possível concluir que discussão ali aventada se restringiu à incidência do ITBI entre a diferença do valor das transmissões imobiliárias realizadas entre sócios e sociedade, pelo valor de R$802.724,00 (oitocentos e dois mil, setecentos e vinte e quatro reais) e o valor do capital integralizado em bens imóveis de R$24.000,00 (vinte e quatro mil reais), de modo que referida diferença, no montante de R$778.724,00 (setecentos e setenta e oito mil, setecentos e vinte e quatro reais), fora contabilizada como ágio na subscrição de quotas, no patrimônio líquido.

Salvo melhor juízo, está posto que os imóveis naquele caso foram transmitidos à sociedade pelo valor de R$ 802.724,00 (oitocentos e dois mil, setecentos e vinte e quatro reais), porém o capital subscrito e integralizado com bens imóveis se deu pelo valor de R$24.000,00 (vinte e quatro mil reais); portanto, o valor excedente da transmissão imobiliária (R$ 802.724,00 - R$ 24.000,00) de R$ 778.724,00 (setecentos e setenta e oito mil, setecentos e vinte e quatro reais), deveria ser submetido à avaliação municipal para efeito de cobrança do ITBI, uma vez que não fora destinado a integralização de capital social.

Inclusive foi este o entendimento do Revisor Ministro Alexandre de Moraes em seu voto divergente acompanhado pela maioria da Suprema Corte, veja-se: “Revelaria interpretação extensiva a exegese que pretendesse albergar, sob o manto da imunidade, os imóveis incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica que não fossem destinados à integralização do capital subscrito, e sim a outro objetivo - como, no caso presente, em que se destina o valor excedente à formação de reserva de capital.”

Está muito claro, portanto, que o entendimento firmado pelo STF no RE 796376 foi de que a imunidade do ITBI “não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado” nos casos em que o valor da transmissão imobiliária for superior ao valor da integralização do capital social, que foi exatamente o ocorrido naquele caso, tanto é que esta diferença foi registrada contabilmente a título de subscrição de ágio.

Vejam bem, por mais que existam argumentos plausíveis que sustentariam a possibilidade da extensão da imunidade para os casos de registro desta diferença à conta de ágio, no patrimônio líquido, ainda sim me questiono sobre a real pretensão com a escolha deste formato de operação.

Digo isso porque me desperta certa curiosidade no real motivo de se registrar parte do valor de um imóvel integralizado ao capital social na conta de ágio se este nada mais seria o sobrepreço pago na aquisição de um determinado patrimônio, em razão da razoável expectativa de geração de lucro, ou seja, tal alternativa faria mais sentido nos casos de uma aquisição de terceiros de um ativo intangível, por exemplo, e não na realização de capital onde as partes na transmissão do bem de certa forma se confundem, por ser uma o sócio e a outra a sociedade em que aquele é sócio, portanto, digamos que a alternativa tomada seja pouco usual para o caso específico.

Enfim, este não é o foco do artigo então retomemos ao tema.

Quanto ao teor da decisão do STF, a sua provável interpretação equivocada por parte dos Municípios me causa certa preocupação já que o termo “exceder o limite do capital social a ser integralizado” pode ser interpretado como a diferença entre do valor do bem declarado pelo contribuinte e o valor avaliado pelo Município quando da integralização do capital social.

E quando nos depararmos com tal situação, qual seria o valor correto para se realizar a integralização de capital? A diferença entre tais valores poderia ser usada como pressuposto para incidência do ITBI, pois esta excederia o limite do capital social a ser integralizado? Evidentemente que não!

Isso porque o art. 23 da Lei 9.249, de 26 de dezembro de 1995 faculta à pessoa física transferir à pessoa jurídica, a título de integralização de capital, bens e direitos pelo valor de declaração ou pelo valor de mercado. Ora, isso significa dizer que cabe ao contribuinte escolher se a transmissão do bem, a título de integralização, será realizada pelo valor de mercado ou de declaração, sendo que esta faculdade não estaria sujeita ao aval do fisco municipal.

Ademais, numa situação onde o contribuinte, sócio, resolve integralizar seu imóvel ao capital social de sua empresa e este ato é praticado pelo valor declaração, por exemplo, sendo que, o referido imóvel é registrado contabilmente no capital social da empresa pelo mesmo valor declarado pelo sócio, em sintonia com o que prescreve o art. 23 da Lei 9.249, de 26 de dezembro de 1995, a meu ver não estaríamos diante de um excedente ao limite do capital social a ser integralizado, assim como ocorreu no caso objeto do RE 796376, isso porque no exemplo dado não há diferença entre o valor da transmissão e o valor integralização do capital social.

Ora, se existe uma lei federal que atribui faculdade ao contribuinte em transferir bens e direitos, a título de integralização de capital, pelo valor declarado, não poderia o município exigir o ITBI sobre a diferença entre o valor declarado e o valor de mercado especialmente porque não existe tal hipótese na regra constitucional e tributária.

A Constituição Federal em seu art. 156, § 2º foi clara ao determinar a não incidência do ITBI sobre bens e direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital e ali não fez nenhuma restrição.

Tanto é que fazendo referência ao exemplo aqui adotado, caso o contribuinte atribuísse o valor de mercado na referida transmissão do bem imóvel para realização de capital social sequer estaríamos falando em incidência de ITBI, pois ainda sim estaríamos diante da hipótese de não incidência prevista no art. 156, § 2º da CF/88, ressalvada a exceção ali prevista quanto à atividade da empresa que não tem relação ao caso em estudo.

Portanto, utilizar-se de uma interpretação equivocada do resultado do julgamento no Recurso Extraordinário nº 796376 de modo a considerar que a diferença entre o valor declarado e o valor de mercado dos bens integralizados quando incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital excederia o limite do capital social a ser integralizado seria uma forma escusa de criar regra de exceção para exigência de imposto não prevista na constituição.

Sem falar que estar-se-ia criando novos parâmetros de definição de fato gerador e formação de base de cálculo não previstos na legislação situação que afronta o disposto no artigo 146, inciso III, “a” da CF/88 onde determina que cabe somente à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados na Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes.

Por fim, conclui-se que o resultado do julgamento no Recurso Extraordinário nº 796376 não poderia ser utilizado como pretexto a exigir o ITBI dos contribuintes sob o argumento de que a diferença entre o valor de declaração e o de mercado do imóvel entregue em realização de capital, com amparo no art. 23 da Lei 9.249/1995, excederia o limite do capital social a ser integralizado se, ao contraio sensu, sequer haveria a incidência do ITBI caso fosse atribuído valor de mercado ao imóvel entregue em realização de capital. Tal conduta por parte dos Municípios seria inapropriada ao passo que o dever funcional do fisco não é a arrecadação a qualquer preço, mas sim atuar em estrita conformidade à lei.