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A inconstitucionalidade da incidência do IPI da revenda de produtos importados

Por Luiz Brito Filho, em 22.07.2019.

Não é novidade que o tema aqui tratado tem retirado o sono de atuantes no direito tributário, bem como das comerciais importadoras e adquirentes não industriais de produtos importados que são afetados diretamente pelo tema. Como se sabe, inúmeros são os estudiosos do direito que defendem a ilegalidade e incostitucionalidade da exigência do IPI na revenda de produtos importados que não passaram por qualquer procedimento de transformação após sua nacionalização.

Por outro lado, a Receita Federal sustenta que a saída do produto industrializado por qualquer estabelecimento que seja equiparado a industrial, nos termos do Regulamento de IPI, está sujeita a incidência do imposto.

É importante destacar que o STJ já apreciou o tema e até que se firmasse entendimento definitivo sobre a matéria naquela Corte, as decisões entre os Ministros oscilavam.

Inicialmente, quando da análise do REsp nº 841.269[1], julgado em 2007, entendia-se que em se tratando de comercial importadora, o fato gerador do IPI somente ocorreria no desembaraço aduaneiro, sendo inviável nova cobrança do IPI na saída do produto quando de sua comercialização interna, ante a vedação do fenômeno da bitributação.

Noutro norte, quando da apreciação do EREsp 1.403.532/SC[2], julgado em 2015 sob a sistemática dos recursos repetitivos, fixou-se o entendimento que no caso de revenda de produtos importados há dois fatos geradores: o primeiro no desembaraço aduaneiro e o segundo na saída do produto importado do estabelecimento comercial.

Portanto, notem que até o julgamento do EREsp 1.403.532/SC predominava um entendimento mais favorável ao contribuinte, de modo a evitar uma dupla tributação já que o ciclo industrial termina no desembaraço aduaneiro e a possibilidade de o importador apropriar crédito do IPI pago no desembaraço aduaneiro não solucionaria o problema da dupla tributação, na medida em que o valor da mercadoria na revenda também engloba margem de lucro e custos (armazenagem, frete, serviços de capatazia, tributos, etc.) que não foram acrescentados na base de cálculo do IPI apurado no desembaraço aduaneiro.

No entanto, apesar dessa celeuma jurídica formada pelo STJ, o STF analisará o tema sob o aspecto constitucional e definirá se incide ou não o IPI na revenda de produtos importados quando o plenário apreciar o RE 946.648[3], com repercussão geral.

Dito isso, adentrando ao mérito da questão, é importante destacar que para que haja a constitucionalidade na exigência do IPI na revenda de produtos importados é imprescindível que o comercial importador tenha, de alguma forma, participado na materialização da hipótese de incidência do imposto. Isso significa dizer que, como dito incialmente, para a incidência do IPI nestes casos, o produto necessariamente deveria passar por procedimento de transformação após sua nacionalização, o que de fato, nos casos de pura revenda, não ocorre.

Admitir a famigerada interpretação dada pela Receita Federal, a meu ver equivocada, na conjugação dos artigos 46, inciso II e 51, parágrafo único do CTN, de que o IPI teria como fator gerador a mera saída de mercadoria dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do artigo 51, dentre eles o estabelecimento importador, violaria a discriminação constitucional das rendas tributárias e invasão inconstitucional de competência de Estados e Distrito Federal de sujeitá-las ao ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias), na medida em que estar-se-ia exigindo IPI em operações de comercialização de produtos que não sofreram qualquer processo de industrialização pelo comerciante.

Não é demais argumentar, também, que tal entendimento fere princípios constitucionais da isonomia, neutralidade tributária e da livre concorrência, na medida em que a carga tributária que onera demasiadamente o produto importado é consideravelmente maior que a incidente no produto nacional.

Veja-se, que tais argumentos, são mais do que suficientes para rechaçar a cobrança de IPI sobre a revenda de produtos importados, mas não é só.

Cabe aqui destacar que no nosso sistema normativo foi reservado à Lei Complementar tratar de normas gerais no Direito Tributário e assim o Código Tributário Nacional estabeleceu:

 

“Art. 98. Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha.”

                                      

Em linha com a dispositivo legal acima, com a promulgação do Decreto nº 1.355, de 30 de dezembro de 1994, as normas previstas no General Agreement on Tariffs and Trade (GATT), nos termos do artigo 84, inciso IV[4], da Constituição Federal, passaram a integrar o ordenamento jurídico nacional[5].

Ocorre que um dos princípios que devem ser observados entre os países signatários do GATT é o princípio do tratamento nacional que estipula a estes países o dever de não discriminarem produtos importados depois de ingressados no mercado. Mais ainda, não admite a concessão de medidas internas como meio de proteger a produção nacional em detrimento ao similar importado.

Isso significa dizer que, se uma empresa “A” que adquire camiseta de seu fornecedor industrial – há a incidência de IPI nesta operação –, a sua revenda ao consumidor final não haveria a incidência do IPI. E, nos termos do GATT, incorporado pelo nosso ordenamento jurídico interno, não poderia a mesma empresa “A” ao adquirir a camisa de seu fornecedor estrangeiro – incidência do IPI no desembaraço aduaneiro – sofrer a incidência do IPI (novamente) na revenda da mesma camiseta ao consumidor final, sob pena de violar os princípios e regramentos daquele tratado internacional.

Tanto é que os Tribunais Superiores editaram súmulas que tratam sobre a aplicabilidade e validade das normas trazidas pelos tratados internacionais, valendo destacar a Súmula 20[6] do STJ e Súmula 575[7] do STF.

Portanto, sob o aspecto constitucional, seja pelo estabelecido no GATT, seja pelo estabelecido em nosso sistema normativo interno, não vejo como acompanhar o entendimento dado pela Receita Federal ao exigir o IPI na revenda de produtos importados, exceto se esta revenda for destinada a outro industrial, conforme determinado pelo artigo 51, inciso III[8] do CTN.

Diante do exposto, espero e acredito que o STF, quando do julgamento do RE 946.648, analise o tema sob os aspectos constitucionais elencados no presente artigo de modo a botar um ponto final sobre o assunto e pacificar a inconstitucionalidade da incidência do IPI sobre a revenda de produtos importados.

 

[1] REsp nº 841269 / BA (2006/0086086-7) autuado em 31/05/2006 – Relator Min. FRANCISCO FALCÃO - PRIMEIRA TURMA - Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça

[2] EREsp nº 1403532 / SC (2014/0034746-0) autuado em 17/02/2014 – Relator Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO - Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça

[3]RE 946648 - Relator: MIN. MARCO AURÉLIO - Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal

[4] Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

(...)

IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;

[5] “Os efeitos da promulgação consistem em: a) tornar o tratado executório no plano interno e b) ‘constatar a regularidade do processo legislativo’, isto é, o Executivo constata a existência de uma norma obrigatória (tratado) para o Estado” (MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Curso de direito internacional público. p. 229).

[6] STJ – Súmula 20 - A mercadoria importada de país signatário do GATT é isenta do ICM, quando contemplado com esse favor o similar nacional.

[7] STF – Súmula 575 - À mercadoria importada de país signatário do GATT, ou membro da ALALC, estende-se a isenção do imposto sobre circulação de mercadorias concedida a similar nacional.

[8] Art. 51. Contribuinte do imposto é:

(...)

II - o industrial ou quem a lei a ele equiparar; III - o comerciante de produtos sujeitos ao imposto, que os forneça aos contribuintes definidos no inciso anterior;